Cultura Racional é uma seita[nota 1][1] brasileira[nota 2] derivada da Umbanda fundada em meados da década de 1930 pelo médium carioca Manoel Jacintho Coelho, então presidente de um centro umbandístico denominado Tenda Espírita Francisco de Assis. Coelho também esceveu uma série de mil livros denominada Universo em Desencanto, uma enciclopédia extensiva das ciências terrenas e espirituais. A obra é de importância essencial na Cultura Racional.
Origens[editar | editar código-fonte]
Durante as primeiras décadas do século XX as perseguições às religiões afros aumentaram, sendo os praticantes desses segmentos religiosos perseguidos e vigiados pela polícia, principalmente entre os anos de 1930 e 1945.[2] Para fugir a essa perseguição e serem aceitos pela sociedade, notadamente a classe média urbana, algumas religiões afros passaram por um processo de desafricanização e branqueamento,[3] processo este em que buscavam se diferenciar do chamado baixo espiritismo, visto por esta sociedade como atrasado e rude, e ao mesmo tempo construir uma "legitimação racional”.[4] Para tanto, um grupo dos chamados “Intelectuais da Umbanda”[5] trabalhou intensamente para dotar a Umbanda de uma base doutrinária e de conhecimentos escritos, diferenciando-a assim das práticas do 'baixo espiritismo'.
Neste contexto foi que surgiu em 1935, em um centro de Umbanda, na rua Lopes Freire, 89, Méier, cidade do Rio de janeiro, a Cultura Racional.
A este panorama de legitimação racional e de letramento, anteriormente descrito, se deve o fato da Cultura Racional apresentar como proposta de ter nos livros a fonte de sua doutrina e de pregar fortemente a leitura como o caminho para a “salvação”,[6] descrita em sua escrituração como a Imunização Racional, como se constata já no primeiro livro da seita:
“ | Portanto, nunca é demais repetir que está na leitura o caminho para a Imunização Racional, e pela Imunização Racional os infantes são desenvolvidos, encontrando a felicidade no meio do mal, sem esperar, sem saber que passaram a contar com os poderes do Racional Superior. [7] | ” |
E também explica o seu discurso de negação às religiões espíritas[nota 3], principalmente as de origem africanas:
“ | Não existe espírito de preto velho no corpo de ninguém, como muitos vêm pensando há muito. Se existisse espírito de preto velho, está visto que não iam deixar de proteger sua raça para proteger raças diferentes da sua; daqueles que os vendiam como animais no tempo da escravidão. Se existisse espírito de preto velho, não vinham proteger aqueles que fizeram deles escravos, escravizados em tudo. Tratariam de proteger somente o povo de sua raça. No entanto, eles se incorporam aí nos brancos, identificando-se como espírito de preto velho, fazendo o que pode, resolvendo o que pode, por isso, têm muitos adeptos, mas não são espíritos de pretos velhos, e sim, habitantes aí desse vácuo, que se incorporam nos médiuns e identificam-se como bem entendem, de acordo com a educação do mundo.[9] | ” |
Ou ainda:
“ | Espiritismo quer dizer: experimentando, em experiência, espertos, espetando, exploração, sempre com duas intenções, boa e má; explicação que não dá conta do profundo ser da matéria, ficando em experiência sempre, sem solução, por conservar todos os mistérios, todos os enigmas e todo o encanto[10] | ” |
“ | Espiritismo e um barco sem rumo são a mesma coisa, porque ignoram e fazem mistério de suas origens, e mantém os mistérios de tudo.[11] | ” |
“ | O espiritismo é um embusteirismo grosseiro, adotado por pessoas grosseiras. Ou por pessoas sem cultura nenhuma. [12] | ” |
Assim, Cultura Racional adotou a estratégia idêntica a de várias movimentos religosos, que para atrairem adeptos entre os desiludidos das religiões tradicionais, negam, em primeiro momento, o seu caráter religioso, se dizendo apenas um conhecimento transcendental ou filosófico. Portanto, os integrantes da seita se esforçam em negar e esconder que na verdade fazem parte de um movimento religioso.
“ | Não interpretem como religião, pois muitas vezes, pela inocência, começam a dizer asneiras, quando se negam a deixar a sua religião para seguir outra. É preciso fazer ver ao próximo que isto não é religião, é um conhecimento independente de qualquer doutrina ou seita. Não é espiritismo e sim, um conhecimento que interessa a todos. [13] | ” |
Somente após um determinado tempo, o adepto vem a saber, através de um livro da seita que, desdizendo o que foi dito no primeiro livro, a Cultura Racional é sim uma religião:
“ | Assim está provado que CULTURA RACIONAL é religião, mas de cima.
E por isso é como se vê: CULTURA RACIONAL é religião. Em que se baseia essa religião? No estado verdadeiro natural de tudo e de todos. É a verdadeira religião natural do animal dessa origem de Racional. Então CULTURA RACIONAL é religião por ser a base primária da CULTURA RACIONAL ser a religião espiritual.
Doutrina[editar | editar código-fonte]
Uma vez originada da Umbanda, a Cultura Racional continuou como vertente dela, embora com roupagem nova e linguagem alterada, mas com as mesmas práticas e costumes,[15] caracterizada pelo que ficou conhecido entre os membros da seita como a salinha, onde os médiuns incorporavam as entidades e davam consultas para as pessoas, membros ou não. Essas salinhas existiram em vários locais do país, funcionando como ponto aglutinador dos seguidores. E, embora tenha tecido explicações próprias para se apropriarem da cor das vestimentas da Umbanda (branca) e da saudação aos exus praticada pela mesma (salve),[16] é inegável a similaridade entre elas.
Na Umbanda, o uso da roupa branca é justificada assim:
Na Cultura Racional:
Uma vez que própria seita se propõe como a continuação da Umbanda, sob esta ótica deve ser analisada pois assim fica compreensível não só suas origens, mas também seu desenvolvimento e o alcance das pessoas que vieram a se tornar adeptas, seguidoras ou simpatizante da mesma. Nesse contexto, fica patente a experiência e a vivência umbandística de seu fundador, senhor Manoel Jacintho Coelho, que durante muito tempo militou entre os umbandistas, como ele próprio relata.
Assim, a vivência da Umbanda foi a matéria principal em torno da qual foram se reunindo os adeptos da Cultura Racional, principalmente na figura do seu líder maior, senhor Manoel, um mestre espiritual muito respeitado. Por se originar dos cultos da Umbanda, de uma tenda espírita organizada e estabelecida, a seita já nasceu estruturada no campo espiritual e material, com seguidores e colaboradores, muitos dos quais iriam se manter e arregimentar os parentes e amigos nos anos seguintes, possibilitando a continuidade da mesma.
Apesar de propor os livros como carro chefe da salvação, a doutrina da seita apresenta como característica principal as práticas e ensinamentos da Umbanda, às vezes adequando-os, às vezes usando-os de modo idêntico.
A gênese do universo segundo a Umbanda:
Na Cultura Racional:
Na doutrina da Seita, a figura do Orixá Exu é muito referenciada e tem fundamental importância no sistema de crença da mesma, assim como o Exu de Umbanda:
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário